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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Conselhos tutelares de Fortaleza estão inoperantes

Ausência de retaguarda

Conselhos tutelares de Fortaleza estão inoperantes


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O acúmulo de processos no Conselho Tutelar da Regional III é uma realidade
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Os problemas de estrutura física dos colegiados da Capital passam por paredes corroídas por cupins, vazamento em banheiro e infiltrações no teto
PATRÍCIA RAPOSO
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Crianças brincam no Programa Crescer com Arte e Cidadania, que desenvolve ações que estimulam o exercício da cidadania, no Jangurussu
VIVIANE PINHEIRO
A maior preocupação é a falta de locais de acolhimento para os meninos ameaçados de morte pelos traficantes

Crianças e adolescentes sem amparo, desprovidos dos direitos básicos de educação, saúde, moradia, saneamento e sem nenhuma perspectiva de futuro. Assim vivem meninos e meninas em Fortaleza. O principal instrumento de acolhida e que é a porta de entrada para a resolução dos problemas não funciona. Aos conselhos tutelares muito falta para o perfeito atendimento às crianças.

A começar pela quantidade insuficiente de colegiados. São apenas seis, apesar de o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) determinar uma unidade para cada 100 mil habitantes. Assim, Fortaleza teria de, pelo menos, duplicar o números de unidades.

O mais grave é a ausência de retaguarda para o encaminhamento das demandas. A maior preocupação é o acolhimento dos meninos ameaçados de morte pelos traficantes. Não existem locais para abrigá-los. Assim como não há vagas de internação para os envolvidos com drogas.

Outro ponto é o não cumprimento da lei municipal, já sancionada pela prefeita Luizianne Lins, que determina o funcionamento das unidades por 24 horas. O horário, hoje, é de 8 às 17 horas, de segunda a sexta. Contudo, a legislação é inócua porque a retaguarda já não acontece no horário normal, que dirá nos fins de semana, quando juízes não trabalham para autorizar o encaminhamento aos abrigos e nem a Delegacia da Criança e Adolescente está aberta.

Problemas

As lista de falhas é extensa. Na unidade da Regional VI, a dona de casa Maria do Socorro Miranda Lima não encontrou resposta para o seu problema. Ela está com duas crianças, uma de 13 e outra de 11 anos, em casa que foram abandonadas pela sobrinha. "Não tenho condições de cuidar desses meninos", indica. O encaminhamento foi feito, mas a resposta só deve sair daqui a duas semanas, segundo a conselheira Germana Vasconcelos.

Não só a falta de retaguarda acomete o Conselho Tutelar da Regional VI. Outros problemas são a falta de pessoal, de segurança e de carro e vazamento no banheiro. Os próprios conselheiros relatam a precariedade.

Na Regional IV o estado não é diferente. Faltam impressoras, telefones e carros e as paredes estão corroídas por cupins. O conselheiro Régis Evangelista explica que não tem condições de atender tanta demanda dos disque-denúncias nacional e regionais e do Ministério Público.

São, em média, 50 atendimentos por dia. "Não temos como responder ao disque-denúncia sem impressora. Os encaminhamentos são feitos ainda em papel carbono. Não podemos ir à reunião dos grupos de trabalho porque não tem carro", reclama. Fora isso, as ameaças são constantes e não há segurança diária.

Já na Regional III, o conselheiro Cláudio Rocha aponta a falta de material humano como o principal problema. São mais de 1.800 atendimentos por ano que, na maioria das vezes, ficam sem resposta. As maiores demandas são por vagas em escolas e creches e conflitos familiares. E muitas vêm do Interior.

O orçamento é reduzido. De acordo com o advogado Renato Roseno, a Secretaria de Direitos Humanos, responsável pelos conselhos tutelares, recebe apenas 0,5% do orçamento da Cidade. E 2% é o que é investido na Ação Social. Ele pontua que há apenas pequenos equipamentos com poucas vagas para abrigar meninos e meninas. "O problema é que a prioridade da gestão não é a infância, apesar de previsto por lei. Há um gasto de R$ 127 milhões com publicidade". Para ele, as políticas são frágeis.

Roseno acrescenta que precisa haver uma pressão da sociedade para exigir mais atenção à criança. No momento em que Fortaleza se prepara para receber a Copa do Mundo de 2014, é crucial investir nos conselhos tutelares. A solução para as demandas seria a introdução de um recurso específico vinculado ao orçamento municipal, como sugere Gorete Pereira, presidente da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza. "Precisamos que as autoridades olhem a situação das crianças e adolescentes com mais respeito", ressalta. Para a vereadora Eliana Gomes, trata-se de omissão de quem tem que dar proteção. Medidas de prevenção são fundamentais.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Órgãos estão impossibilitados do exercício
André nogueira Cardoso
Pres. Comissão da Infãncia e Juventude da OAB

O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente fixa as atribuições do Conselho Tutelar, no atendimento às crianças e adolescentes, tais como orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, por exemplo.

Esse mesmo artigo define as atribuições do Conselho no atendimento aos pais ou responsável, ao definir aplicação de medidas como inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos; encaminhamento a cursos ou programas de orientação e obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar, por exemplo. Isso significa que as entidades eventualmente acionadas pelo Conselho Tutelar, devem atender às requisições feitas, exceto por impossibilidade justificada.

O que se verifica é a impossibilidade do exercício das práticas do Conselho Tutelar, face à ausência de políticas públicas bastantes para tanto. Pior, vemos a existência de meias políticas, das políticas criadoras de um sem número de associações, secretarias e organismos para a proteção da criança e do adolescente, sem qualquer eficácia. Faltam clínicas, hospitais, programas, oficiais ou comunitários, por desinteresse político e público na criação dessa retaguarda dos conselhos.

A retaguarda estrutural e pessoal dos conselhos tutelares requer gasto de dinheiro público e isso não existe de forma plena. Esse é o freio dos colegiados. Essa é a porta onde se escancaram a falta de hospitais em reais condições de atendimento, a falta de profissionais da área da saúde, física e mental, capacitados e em número adequado para atendimento da população, a falta de boas escolas públicas, abrigos adequados, etc.

Não há prioridade para crianças e adolescentes e aqui estamos falando, quase sempre, de crianças e adolescentes pobres, na forma da lei e na forma a que a sociedade os reduziu. Custa muito, de todas as formas, atender uma população crescente de desvalidos. Então, vêm para o palco as escusas costumeiras de falta de verba para isso e aquilo. Assim, são esvaziados os conselhos tutelares.

Se eles não têm retaguarda política e financeira para atuar regularmente, o que se dirá sobre a atuação 24 horas por dia? Não há escala de plantão de conselheiros. Não há juízes em mais de 100 comarcas do Estado. A falha dos conselhos tutelares não é generalizada, mas eles precisam da retaguarda que lhes falta, para serem eficientes na proteção da criança e do adolescente.

Políticas públicas para infância são pioneiras, de acordo com SDH

O titular da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), Demitri Cruz, informa que Fortaleza é pioneira na implantação de políticas públicas para a criança e adolescente. "Evidentemente, as demandas são grandes e, às vezes, enfrentamos situações de gargalo, mas, aqui, encontramos uma rede que não existe em outro lugar".

Sobre os problemas estruturais, o secretário informa que cinco dos conselhos tutelares sofreram reforma recente, além de receber fax, telefone, computadores e carros. Cruz acrescenta que os problemas de estrutura são pontuais.

De acordo com o secretário, o município implementou uma série de políticas de atenção à infância. Uma delas foi o Disque Direitos da Criança e do Adolescente (DDCA). "Hoje, contamos com uma rede de acolhimento, dez unidades de atendimento socioeducativo, além da rede especializada no combate à exploração sexual", lista.

Para a drogadição, o titular da SDH destaca a rede de saúde mental. "Estamos introduzindo uma equipe de educadores sociais nos conselhos. No próximo mês, os novos conselheiros assumem e começa o processo de formação", como indica a SDH.

Plantão

"Estamos também organizando uma escala de plantão e a instalação de uma corregedoria para a fiscalização dos conselhos".

No que diz respeito aos adolescentes ameaçados de morte, Cruz revela que o município quis implantar o programa de atendimento, mas é preciso haver a articulação com a rede de segurança pública, tendo, portanto, que ser conveniado com os Estados. Sobre o orçamento da SDH, o secretário informa que R$ 23 milhões é o valor específico para a política da criança. "Ano a ano os recursos aumentam".

LINA MOSCOSO
REPÓRTER


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Instituições que acolhe crianças e adolescentes em situação de RUA cobram repasse

Cinco instituições especializadas no atendimento a crianças e adolescentes realizaram protesto ontem para cobrar parcelas de um convênio firmado com a Prefeitura. Dinheiro deve ser creditado até amanhã
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Cinco entidades que atendem a crianças e adolescentes realizaram protesto na tarde de ontem, 14, na Secretaria de Direitos Humanos (SDH), na Secretaria de Finanças (Sefin) e no Paço Municipal. A cobrança era pela regularização dos repasses firmados com a Prefeitura de Fortaleza a partir de um edital do primeiro semestre.

Segundo o titular da SDH, Demitri Cruz, a verba já foi lançada e deve ser creditada nas contas bancárias das instituições, no máximo, até amanhã. “Só podemos fazer a transferência do dinheiro quando ocorre a apresentação e análise dos convênios anteriores. Finadas as pendências, a verba será entregue”, disse o secretário. Demitri explicou que o convênio é anual e deve ser pago em três parcelas, cada uma referente a quatro meses.

As organizações são especializadas em acolher crianças e adolescentes ex-moradores de rua. Segundo Manoel Torquato, um dos gestores da ONG O Pequeno Nazareno, o atraso nos repasses prejudicou 116 crianças.

Após se concentrarem na sede da SDH, crianças, adolescentes e coordenadores das instituições O Pequeno Nazareno, Barraca da Amizade, Casa do Menor São Miguel Arcanjo e Sociedade da Redenção seguiram a pé para a Sefin e, depois, até o Paço Municipal. Eles fecharam a rua São José, causando congestionamento no trânsito. O grupo permaneceu na via até uma comitiva, formada por cinco adultos e cinco crianças, ser recebida por representantes da Prefeitura.

Ao final, Manoel Torquato confirmou que o dinheiro referente a quatro meses do convênio foi lançado. “Vamos prestar contas dessa primeira parcela até a próxima semana para receber o restante”, comentou.

ENTENDA A NOTÍCIA

Em protesto realizado ontem, cinco entidades especializadas no atendimento a crianças e adolescentes protestaram contra o não pagamento de convênio firmado com a Prefeitura de Fortaleza.

A BÍBLIA RESPIRA PROFECIA.



A Bíblia respira profecia (Parte 1)
Se calarem a voz dos profetas...”
Gilvander Luís Moreira[1]

Palavra de Javé: consolai os aflitos e afligi os consolados! Ninguém pode tocar o corpo dos escritos proféticos sem sentir a batida do coração divino.

(Obs.: Esse texto é a 1ª parte do artigo “A Bíblia respira Profecia: “Se calarem a voz dos profetas ...”, publicado na Revista Estudos Bíblicos, Vol. 29, n. 113, jan/mar/2012, pp. 37-56, revista que tem como título geral: Bíblia, uma Paideia libertadora.)
1 – Para começo de conversa.
A Bíblia, se interpretada com sensatez e a partir dos pobres, nos educa para a vivência profética, o que passa necessariamente por construir uma convivência humana e ecológica onde o bem comum seja um princípio básico seguido.
Os grandes desafios da realidade social, eclesial e eclesiástica para as pessoas cristãs que se engajam nas lutas sociais e na construção de uma sociedade justa, solidária, ecumênica e sustentável, - também construção de uma igreja Povo de Deus -, me fazem recordar também os desafios de muitos profetas e profetisas da Bíblia e de suas profecias.
Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST - realiza ações radicais – não extremistas, mas aquelas que, de fato, vão à raiz dos problemas e, por isso, ferem o coração da idolatria do capital - o ódio dos poderosos despeja-se sobre os militantes desse que é o maior movimento popular da América Afrolatíndia.  Isso faz acordar em mim profecias bíblicas, como das parteiras do Egito, dos profetas Elias, Amós, Miqueias e do galileu de Nazaré.
Antes de passar a palavra às profetisas e aos profetas da Bíblia, pergunto: Quantos de nós já nos dispusemos a fazer a experiência de viver sob lonas pretas e gravetos – em condições similares aos animais no meio do mato, ou em condições piores do que nas favelas? Quem de nós já viveu à beira das estradas, em lugares ermos e remotos, sujeitos aos ataques noturnos repentinos? Quantos já permaneceram em um acampamento do MST por mais de  um dia, observando o que comem (e, sobretudo, o que deixam de comer), o que lhes falta, como são suas condições de vida? Quantos já viram o desespero das mães procurando, aos gritos, pelos filhos enquanto o acampamento arde em fogo às 3 da madrugada, atacado por jagunços?
 Sentindo-me na pele dos Sem Terra, convido você para visitar algumas profecias bíblicas das parteiras, de Elias, Amós, Miqueias e Jesus de Nazaré, na esperança de que possam iluminar nossas consciências e aquecer nossos corações para discernirmos o que é preciso fazer, como fazer e comprometermo-nos de fato com a causa dos pobres que, com fé libertadora, lutam por direitos humanos, por uma terra sem males.

1.1 – Uma premissa básica: nosso Deus é transdescendente.
       Muitos perguntam: se Deus existe e é todo poderoso, por que permite tanta dor, tanta violência e sofrimento no mundo? Deus é sádico? Está sentado na arquibancada, de braços cruzados, vendo o sangue do inocente verter na arena da vida? Deus não faz nada? Um sábio, ao ouvir essas interpelações, respondeu: Deus fez e faz todos nós para sermos no mundo expressão do Deus que é infinito amor. A única força que Deus tem é o amor, que aparenta ser a realidade mais frágil, mas é a mais poderosa do mundo. Só o amor constrói.
JESUS se tornou tão humano que acabou se divinizando. Pelo seu relacionamento íntimo com o Pai, ao qual chamava de papai (abbáh, em hebraico), Ele nos revela uma característica fundamental que perpassa toda a experiência do povo de Deus da Bíblia: o Deus comprometido com os pobres é um Deus transdescendente, não apenas transcendente - sua transcendência se esconde na imanência, o divino no humano. A partir do Êxodo, constatamos como Javé é um Deus que ouve os clamores dos oprimidos e desce para libertá-los (Ex 3,7-9). No início do Gênesis, o Espírito está nas águas, permeia e perpassa tudo (Gn 1,2). Em Jesus de Nazaré, tendo “nascido de mulher” (Gl 4,4), Deus se encarna, descendo e assumindo a condição humana. No Apocalipse, Deus larga o céu, desce, arma sua tenda entre nós e vem morar conosco definitivamente (Ap 21,1-3). Logo, um movimento de transdescendência perpassa toda a Bíblia. Esta característica se reflete em Jesus.
1.2 – Profecia é sussurro de Deus.
Os oráculos proféticos, normalmente, são introduzidos com uma fórmula característica: “Assim disse Javé....” ou “Oráculo de Javé” (Jr 9,22-23). A expressão ne’m YAHWEH”, em hebraico, geralmente traduzida por “oráculo de Javé” ou “Palavra de Javé”, significa "sussurro, cochicho de Deus no ouvido do profeta ou da profetisa". Para entender um cochicho, um sussurro, é preciso fazer silêncio, prestar muita atenção, estar em sintonia, ter proximidade, ser amiga/o. Logo, Deus não falava claramente aos profetas, como nós, muitas vezes pensamos. Deus fala hoje para – e em - nós do mesmo modo que falava aos profetas e às profetisas. Deus cochicha (sussurra) em nossos ouvidos, sempre a partir da realidade do pólo enfraquecido, na trama complexa das relações e estruturas humanas.
Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos violentados, para que nossas palavras possam refletir algo da vontade do Deus da vida. Mais que fazer cursos de oratória, precisamos de cursos de “escutatória”. Para ouvir os clamores mais profundos dos empobrecidos, é necessário conviver com eles.
1.3 - A força e a fraqueza da palavra profética.
Intervenções proféticas que, no tempo do profeta (ou da profetisa) devem ter provocado calafrios, e ter soado quase como blasfemas, hoje podem parecer insossas a muitos leitores. Assim palavras de grande profundidade humana podem passar despercebidas para muitos cristãos. Se os profetas bíblicos ressuscitassem no nosso meio hoje e atualizassem suas profecias, provavelmente, suscitariam mal-estar ou escândalo. Eis um exemplo: O profeta Amós, em pleno século VIII a.C., fez a seguinte profecia:
Ide-vos a Betel pecar, em Guilgal pecai firme;
oferecei pela manhã os vossos sacrifícios
e no terceiro dia os vossos dízimos;
oferecei pães fermentado, pronunciai a ação de graças,
anunciai dons voluntários,
pois é disso que gostais, israelitas
           oráculo de Javé” (Am 4,4-5).

Este texto é quase incompreensível para as pessoas que não sabem o que é Betel nem Guilgal, desconhecem a expressão “oferecer sacrifícios” (só ouviram falar de “sacrificar-se”, “mortificar-se”), desconhecem o que são os ázimos e os dons voluntários. Isso nos revela a fraqueza da palavra profética. Mas atualizando a profecia, acima apresentada, poderemos, talvez, apresentá-la assim:
Ide pecar em Aparecida no Norte,
em Juazeiro do Padre Cícero pecai firme.
Assisti à missa todos os dias,
Oferecei vossas velas e oferendas.
Queimai o incenso da bajulação,
Ardam os incensórios,
Anunciai novenas,
Pois é disso que gostais, católicos.
Oráculo do Senhor”.

Aqui notamos a força da mensagem, sua clareza, brevidade e concisão. Também é patente a dureza e ironia com a qual se expressa. Em Am 4,4-5 o profeta usa o gênero “instrução”, típico dos sacerdotes. Assim Amós, usando o estilo de linguagem dos sacerdotes, critica-os com uma ironia fina e os ridiculariza.
O exemplo acima, nos mostra a força e a fraqueza da palavra profética. Fraca, porque ficou aprisionada por uma linguagem, uma história, uma cultura, que não é a nossa. Forte, porque resplandece com todo vigor quando lhe arrancamos as “sujeiras” do tempo e encontramos o seu sentido “em si” e a sua mensagem “para nós”.
Para entendermos bem o sentido “em si” de Am 4,4-5 devemos estudar exegeticamente o texto. Para percebermos a veemência da crítica do profeta Amós ao culto, explicitando assim a relação de Israel com o culto, devemos considerar o seguinte:
Os versículos 4 e 5 do capítulo quatro de Amós são uma irônica exortação (seis verbos no imperativo) a caminhar para os santuários de Betel e Galgala para multiplicar as transgressões, mais do que para adorar Deus. O caráter irônico dos versículos é sublinhado pela exortação para oferecer um sacrifício cada manhã, e pior ainda, o dízimo (= a décima parte) a cada três dias. Dt 14,28 e Dt 26,12 são dois textos que regulam esta obrigação, estabelecem que a décima parte deve ser paga a cada três anos. Portanto, pedir para pagar a cada três dias o que deve ser pago a cada três anos é, no mínimo, uma ironia sarcástica.
Também a ação de graças com a oferta do pão fermentado (v. 5) contradiz formalmente o que é indicado em Ex 12,15.39; 13,7; Dt 16,3. Da celebração da Páscoa (Ex 13,3; 23,18; 34,25) até as pequenas “ofertas vegetais” (Lv 2,4.5.11), tudo deve ser feito sempre com pães ázimos, e não com pão fermentado. Se comparar esta ironia com Os 8,13, segundo a interpretação proposta por alguns autores[2], a ironia não se refere portanto a uma falsa celebração da Páscoa somente. “Cada manhã” (v. 4) não deve ser traduzido por “na manhã”, como crítica de uma celebração pascal que devia acontecer à tarde.
Com relação às ofertas voluntárias  pode-se encontrar um tratamento irônico no incitamento a proclamar e fazer conhecê-las. Essas ofertas, justamente porque voluntárias, não eram provavelmente reguladas por específicas disposições.[3] As concessões sobre a imperfeita qualidade da oferta voluntária, não permitida para outros sacrifícios (Lv 22,23), nas regras mais amplas sobre o tempo para consumir a oferta (Lv 7,16; 22,21), assim como a menção delas no último lugar no resumo de Lv 23,37-38, depois dos “sacrifícios para o fogo”, holocaustos, oblações, vítimas, libações, dons e votos. Tudo sublinha o caráter privado desses sacrifícios. Proclamar essas ofertas destrói o seu caráter e finalidade. Não parece que nem o anúncio (retórico) do salmista dos sacrifícios que fará nem da proclamação das graças recebidas por Deus (Sl 66,15-16) pode ser interpretado como justificação ou explicação do relacionamento indicado em Am 4,5.
Vamos contemplar como agiram profetisas e profetas da Bíblia. Isso poderá ser uma bússola na nossa missão na atualidade.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 12 de novembro de 2012.



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira
[2] SIMIAN-YOFRE, H., El desierto de los Dioses, Cordoba, 1992, p. 86.
[3] Cf. as referências bastante gerais em 2 Cr 31,14; Sl 68,10; 119,108 - no singular e no sentido “profano”, ofertas voluntárias para a construção do templo, cf. Ex 35,29; 36,3.