Religião versus homossexualidade: como as igrejas acolhem os gays?
Para
o pastor Marcos Gladstone, da inclusiva Igreja Cristã Contemporânea, o
trecho da bíblia que iria contra a homossexualidade sofreu tradução
maliciosa,
que mudou o seu sentido
Alessandra Oggioni, especial para o iG
| 27/03/2013 07:07:26
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Evangélico e homossexual,
Marcos Gladstone cansou de esperar pela acolhida da igreja que
frequentava e decidiu fundar a própria instituição religiosa. Em 2006,
junto com o atual companheiro, o pastor
Fabio Inácio, criou a Igreja Cristã Contemporânea, que hoje conta
com nove sedes (no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo) e mais
de 1.800 membros, sendo 90% deles gays.
Segundo
Gladstone, que também é pastor, os cultos recebem abertamente os casais
do mesmo sexo, além de realizar matrimônios – inclusive o dele,
celebrado
em 2009 – e batizados. “Defendemos uma teologia inclusiva, de
acolhimento ao homoafetivo. Tomamos como exemplo Jesus, que sempre
cuidou das minorias, acolhendo os que a sociedade excluía”, diz.
Na
visão do pastor Gladstone, a bíblia não condena a homossexualidade,
mas, sim, os rituais pagãos. Ele defende que algumas traduções do livro
sagrado dos
cristãos foram feitas de forma “maliciosa” e cita como exemplo o texto
de 1 Coríntios, capítulo 6, versículo 9. “Versões preconceituosas
traduziram o trecho como ‘Efeminados e sodomitas não herdarão o Reino
dos Céus’, porém, o escrito original do grego diz
‘Depravados e pessoas de costumes infames não herdarão o Reino dos
Céus’”, comenta.
Para saber como as principais religiões do país veem a questão homossexual, o
iG conversou com representantes das igrejas com maior número de
fiéis em diferentes linhas doutrinárias, levando em conta dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Assembleia de Deus: "Perversão satânica e deliberada desobediência a Deus"
Na
Assembleia de Deus, a igreja evangélica pentencostal mais
representativa no país, com mais de 12 milhões de fieis, a doutrina é
notoriamente contrária
ao homossexualismo. Em um artigo assinado pelo pastor José Wellington
Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus
no Brasil, e publicado na página da igreja na internet, a
homossexualidade é colocada como “uma perversão satânica
dos instintos sexuais do ser humano”. Para o líder, “A Bíblia não
classifica o homossexualismo como doença qualquer, pelo contrário,
afirma claramente que se trata de uma deliberada desobediência a Deus e
aos seus mandamentos”, escreveu.
O
iG procurou insistentemente, por uma semana, lideranças da igreja
Assembleia de Deus para falar sobre o assunto, mas não obteve resposta.
A
postura condenatória da homossexualidade se estende ainda para outras
ramificações da igreja. Líder da Assembleia de Deus Catedral do
Avivamento, o pastor
e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) é até mesmo acusado de
homofobia. Ele gerou polêmica ainda maior ao assumir a presidência da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, no início de março.
Outro
exemplo de aberta condenação aos gays é a Assembleia de Deus Vitória em
Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia, conhecido nacionalmente
por suas
manifestações polêmicas em relação a temas como homossexualidade e
aborto. Tanto Marco Feliciano como Silas Malafaia foram procurados pelo
iG, mas não retornaram os pedidos de entrevista da reportagem.
A evangélica Igreja Batista: "Distorção da sexualidade"
Entre
as evangélicas consideradas de origem histórica, a igreja Batista é a
que tem o maior número de seguidores, com mais de 3 milhões de pessoas.
Para
o pastor Paulo Eduardo Gomes Vieira, da Primeira Igreja Batista de São
Paulo, a homossexualidade não está de acordo com os valores cristãos.
“Na nossa leitura, entendemos que é uma distorção da sexualidade,
portanto, é pecado. A Bíblia é clara com relação
a isso”, afirma.
No
entanto, embora condene o homossexualismo, o pastor defende a
tolerância e o respeito às diferenças e aos direitos civis dos gays.
“Lamento que alguns
representantes evangélicos expressivos não consigam demonstrar
discordância sem hostilidade. Discordamos veementemente da
homossexualidade, mas devemos ser amáveis com os homossexuais”, critica
Vieira.
Catolicismo tradicional: "A condição homossexual não é uma questão resolvida para os homossexuais"
O
Islamismo – com pouco mais de 35 mil praticantes no Brasil – também é
categórico ao condenar a homossexualidade. O sheikh Mohamad Al Bukai,
diretor de
Assuntos Religiosos da União Nacional Islâmica, afirma que o alcorão,
livro sagrado dos muçulmanos, considera a “prática” proibida. Para ele,
os gays precisam de instrução, mas sem preconceito com o cidadão. “Não
podemos discriminar. Temos que ajudar e orientar
essas pessoas”, diz Al Bukai.
Na
Igreja Católica, os mais de 123 milhões de fiéis são orientados à
formação familiar a partir da união heterossexual. Para Dom João Carlos
Petrini, presidente
da Comissão para a Vida e a Família da CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), todos sem exceção são convidados a praticar a fé com
dignidade e respeito, mas o ensinamento da igreja aponta para a
necessidade de “acompanhamento” dos homossexuais,
a fim de buscar o verdadeiro significado da sua sexualidade. “Para a
grande maioria das pessoas homossexuais, a condição homossexual não é
uma questão resolvida”, afirma.
Catolicismo liberal: "O ser humano é acima de tudo uma criatura de Deus"
Numa
corrente mais liberal, o historiador e padre jesuíta Luís Corrêa Lima,
professor da PUC-Rio, afirma que as mudanças na sociedade também
repercutem
na Igreja Católica. Segundo ele, um documento do Vaticano, datado de
2003, reconhece os direitos civis entre pessoas do mesmo sexo, apesar de
continuar se opondo à equiparação desta forma de união ao matrimônio
entre homem e mulher.
Em
artigo escrito em 2009, o padre Lima explica que a repulsa pelo
homossexualismo tem raízes históricas. Por muitos séculos, as relações
entre pessoas
do mesmo sexo foram consideradas como o pecado de Sodoma, que resultou
em um castigo divino destruidor. No entanto, o padre jesuíta chama a
atenção para o problema da intolerância e ressalta que nenhum ser humano
é mero homo ou heterossexual. “Ele é acima
de tudo criatura de Deus e destinatário de Sua graça... A oposição
doutrinária às práticas homoeróticas não elimina esta dignidade
fundamental do ser humano”, defende.
Espiritismo: Entender as pessoas como elas são, sem preconceitos
Algumas
religiões, embora não aprovem abertamente a homossexualidade, também
não a condenam. É o caso da doutrina espírita, para a qual a opção
sexual dos
indivíduos não é objeto de julgamento. “Nosso princípio é o da
caridade, então não condenamos nenhuma condição do ser humano.
Precisamos entender as pessoas como elas são, sem preconceitos”, afirma
Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira.
Para ele, o mais importante não é a questão da homoafetividade, mas o
respeito com o parceiro com o qual se relaciona.
Budismo: importante é não fazer o mal, cultivar o bem e purificar a mente
No
budismo, a opção sexual também não é uma questão essencial. De acordo
com José Arlindo Bezerra dos Santos, integrante da Sociedade Budista do
Brasil,
o que importa para os praticantes da religião são os preceitos básicos
de não fazer o mal, cultivar o bem e purificar a própria mente. “Se eles
estão felizes e não estão prejudicando ninguém, o budismo não condena a
homossexualidade em si”, diz Santos.
Umbanda: coração bondoso, comportamento ético e muito trabalho
Na
Umbanda, a visão é de que não cabe aos sacerdotes julgar as escolhas
das pessoas, e que as entidades religiosas não discriminam ninguém. “Um
Exu, um
Caboclo, um Preto Velho vão dizer que estão vendo diante dele um ser
humano, não um gay. O que a entidade quer é um coração bondoso, um
comportamento ético e muito trabalho”, afirma a sacerdotisa Fátima
Damas, presidente da Congregação Espírita Umbandista
do Brasil.
Outras lideranças religiosas representantes dos judeus e do candomblé também foram
contatadas, mas não atenderam ao pedido de entrevista da reportagem.
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